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segunda-feira, 2 de abril de 2007

Deus, ateísmo: o ateísmo no mundo moderno

(Revista Pergunte e Responderemos, PR 443/1999)

Em síntese: O ateísmo é um fenômeno pós-religioso. Toma a forma mais recente de indiferentismo religioso, que se alastra surpreendentemente no mundo atual. Entre as causas do fenômeno, podem-se apontar o fascínio exercido sobre o homem pelas conquistas científicas, como também o hedonismo da vida moderna, sequiosa de prazer. A Igreja tem chamado a atenção para outra causa, muito importante: o contra-testemunho de pessoas religiosas, mesmo cristãs, que escandalizam seus semelhantes e os afastam da religião. Assim o ateísmo interpela eloqüentemente os fiéis católicos, induzindo-os a uma revisão de vida.

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O ateísmo é um fenômeno pós-religioso. Supõe a religião e rejeita-a. Ultimamente tem tomado a forma de indiferentismo religioso, que nem sequer combate a religião, porque a julga um fenômeno ultrapassado.

Tal fato tem provocado a reflexão dos pensadores, que vêm procurando explicá-lo, visto que o ateísmo contraria as diretrizes da humanidade professadas até a época recente. Entre tais causas, apontam-se:

O fascínio exercido pelas conquistas da ciência e da tecnologia, que dão ao homem a impressão de poder dispensar Deus, tapa-buraco, ou de ser o seu próprio Deus;

O hedonismo da vida moderna, sequiosa de prazer, ainda que de índole baixa. Soltam-se as paixões, que obcecam o homem e lhe embotam o olhar da mente.

O indiferentismo religioso tem-se propagado no mundo atual, despertando surpresa em quem acompanha as estatísticas. Eis uma recente notícia relativa ao assunto:

O REBANHO QUE MAIS CRESCE NO BRASIL

Apesar do forte impulso religioso que todo ser humano carrega dentro de si, 21,4% dos habitantes do planeta se declaram sem religião. Depois da China, que tem a maior porcentagem dos sem-religião (59,1%, segundo a revista Christianity Today), o Uruguai surpreende com 33,9%, mais do que a antiga União Soviética (30,6%), a França (18,4%), a Holanda (15%), a Austrália (13%) e a Alemanha (10%).

O Brasil que se cuide, pois os que se declaram sem religião eram 2 milhões em 1980 e 7 milhões em 1991 (acréscimo de 350% em onze anos). O número é bem mais alto que a previsão feita pela World Christian Encyclopedia, que estipulava em 4 milhões a quantidade de não-religiosos brasileiros para o ano 2000. O sociólogo Alexandre Brasil Fonseca, da USP, observa que o rebanho que mais cresce no Brasil não é o dos evangélicos, mas o das pessoas que se apresentam sem religião, como a atriz Renata Sorrah.

No mundo inteiro os não-religiosos são muito mais numerosos do que os ateus. Mas a distância entre estes e aqueles nem sempre é muito grande. Como não é grande a distância entre os não-religiosos e os que se dizem pouco religiosos, como a atriz Marieta Severo e muitas outras pessoas» (extraído da revista ULTIMATO n.º 256, janeiro-fevereiro 1999, p. 15).

No texto acima, os homens sem-religião são os indiferentes.

A Igreja tem-se preocupado como fenômeno da indiferença religiosa. Em conseqüência ela chama a atenção para outra causa do fenômeno, certamente muito significativa: o contra-testemunho de pessoas religiosas, inclusive de cristãos.

Eis o que em 1965 observava o Concílio do Vaticano II:

«Na verdade os que deliberadamente tentam afastar Deus de seu coração e evitar os problemas religiosos, não são isentos de culpa. No entanto os próprios fiéis arcam sobre isto muitas vezes com alguma responsabilidade. Pois o ateísmo, considerado no seu conjunto, não é algo inato, mas antes originado de causas diversas, entre as quais se enumera também a reação crítica contra as religiões e em algumas regiões sobretudo contra a religião cristã. Por esta razão, nesta gênese do ateísmo grande parte podem ter os crentes, enquanto, negligenciando a educação da fé, ou por uma exposição falaz da doutrina, ou por faltas na sua vida religiosa, moral e social, se poderia dizer deles que mais escondem do que manifestam a face genuína de Deus e da religião» (Constituição Gaudium et Spes n.º 19).

Mais recentemente, em 1998, o S. Padre João Paulo II, em sua Bula Incarnationis Mysterium, dedicada à preparação do ano jubilar 2000, incitava os fiéis a um exame de consciência e referia-se ao ateísmo e ao indiferentismo religioso:

"O Ano Santo é, por sua natureza, um tempo de chamado à conversão. E esta constitui o primeiro tema da pregação de Jesus...

Por conseguinte, o exame de consciência constitui um dos momentos mais qualificantes da existência pessoal. Por ele, de fato, cada pessoa é confrontada com a verdade da própria vida; e descobre assim a distância que separa suas ações do ideal que se tinha proposto...

É forçoso reconhecer que a história registra numerosos episódios que constituem um contratestemunho para o cristianismo. Por causa do vínculo que nos une uns aos outros dentro do Corpo místico, todos nós, embora não tendo responsabilidade pessoal por isso e sem nos sobrepor ao juízo de Deus - o único que conhece os corações -, carregamos o peso dos erros e culpas de quem nos precedeu. Mas também nós, filhos da Igreja, pecamos, tendo impedido à Esposa de Cristo resplandecer em toda a beleza de seu rosto. Nosso pecado estorvou a ação do Espírito no coração de muitas pessoas. Nossa pouca fé fez muitos caírem na indiferença e os afastou de um autêntico encontro com Cristo.

Como Sucessor de Pedro, peço que neste ano de misericórdia a Igreja, fortalecida pela santidade que recebe de seu Senhor, se ajoelhe diante de Deus e implore o perdão para os pecados passados e presentes dos seus filhos. Todos pecaram, e ninguém pode declarar-se justo diante de Deus (cf. 1Rs 8,46). Repita-se sem temor: 'Pecamos' (Jr 3,25), mas mantendo viva a certeza de que, 'onde abundou o pecado, superabundou a graça' (Rm 5,20)" (n.º 11).

O Papa reconhece que o pecado dos filhos da Igreja pode ter levado muitos a se afastar de autêntico encontro com Cristo. E incita ao arrependimento.

É de notar que João Paulo II não diz que a Igreja pede perdão por suas faltas, mas, sim, pede perdão pelos pecados de seus filhos. Observa assim a distinção entre a Pessoa e o pessoal da Igreja. A Pessoa da Igreja é o que São Paulo chama "a Esposa sem mancha nem ruga, lavada pelo sangue de Cristo" (cf. Ef 5,26s); o pessoal seriam os filhos dessa Santa Mãe Igreja, que nem sempre procedem em consonância com os ensinamentos de sua Mãe e, por isto, empalidecem a face da Igreja aos olhos do mundo.

Tais reflexões vêm a ser de grande valor neste período preparatório do Ano Santo ou Jubilar. Vê-se, aliás, como o pensamento oficial da Igreja está longe de dar atenção a profecias e revelações catastróficas; a única realidade que interessa, é a pureza de coração para que o cristão possa ir ao encontro do Senhor Jesus a qualquer momento em que Ele se digne de aparecer. Seja o indiferentismo religioso de tantos irmãos um poderoso estímulo para que os filhos da Igreja se convertam mais radicalmente ao Evangelho, pois muitas vezes o fiel católico é o único Evangelho que o irmão sabe ou pode ou quer ler.

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